Uma ida ao hospital distrital de Faro, na última semana de Outubro de 2010 (tenho tanta pena de não ter uma câmara de filmar!)
Os jovens a partir dos 15 anos quando estão doentes têm de ir às urgências gerais do hospital.
Descrição do sucedido:
Nesse dia útil da semana eram 6:30hrs. a.m. o meu filho (menor de idade) havia estado durante 4 dias com dores de cabeça intensas (que não passavam nem com a toma de
Paracetamol, nem com Ibuprofeno) havia vomitado desde o dia anterior e tinha dores de estômago intensas (eu concluí que ele havia sido contagiado pelo irmão mais novo que, esteve internado 24 horas no hospital de dia de pediatria após, ter dado entrada na urgência pediátrica, com os mesmos sintomas com uma situação viral e contagiosa).
Dirigi-me ao balcão de atendimento e fizeram a ficha, expliquei então à administrativa de que ele só podia ter uma virose contagiosa justificando-me com o que acima referi, mandaram-nos esperar pela chamada da triagem.
O meu filho só vomitava (em seco e o pouco liquido que saía era verde) e as dores de cabeça eram terríveis.
Na sala de espera, à nossa frente, só estava um casal e uma outra pessoa, esperamos perto de 30 minutos.
Quando nos chamaram para a triagem (reparei nas imensas macas com velhotes que estavam no corredor à nossa frente, e pensei: - decerto aconteceu algum problema num qualquer lar da terceira idade e esta gente entrou toda em peso no serviço de urgências.) entrámos, expliquei o que se passava e mandaram-nos esperar numa sala junto à triagem, onde não estava praticamente ninguém. Entretanto ele quis vomitar e eu fui à procura de alguém que me desse um saco para vómitos, passei no corredor entre as macas (à minha direita haviam 2 filas de macas e à minha esquerda uma fila, todos o que lá estavam eram homens e mulheres idosos) e entrei na sala em frente (que tinha duas portas) vi então lá dentro à minha direita mais uma fila de macas (com idosos) e entre macas estavam duas funcionárias (auxiliares ou enfermeiras, não sei bem precisar) fazendo a higiene íntima de um(a) doente (sem biombo), eu então pedi o dito recipiente para vómito e as Sras. ficaram muito chocadas por eu ter entrado por ali adentro aquando da higiene do(a) paciente, ao que eu respondi que não olhei para o paciente em questão, explicando-me acerca da minha intenção, mandaram-me ir à triagem porque lá tinham os sacos para vómitos, assim fiz.
Na sala de espera da triagem esperamos +- 15 minutos, seguidamente chamaram o meu filho para a sala da médica (que ficava no corredor do lado direito junto das 2 filas de macas) por sinal originária de um País não comunitário, depois de o ver (não viu nem os ouvidos, nem a garganta, nem fez a auscultação), isto é, depois de palpar-lhe a barriga (altura em que começou novamente a vomitar um líquido verde pois, já nada mais havia a expelir) mandou-o para a tal sala de tratamentos, onde eu já havia estado quando fui à procura do tal recipiente (quando estavam fazendo a higiene intima do(a) tal paciente).
A enfermeira iniciou o tratamento (paracetamol intravenoso), a administração do produto durou à volta de uma hora, e durante esse processo apercebi-me de que os enfermeiros (do turno da noite e quase em fim de turno) eram poucos, e uma vez mais apercebi-me de um triste filme: à medida que o enfermeiro trazia os pacientes nas macas para a sala de tratamentos ia batendo nas outras macas que tinham doentes (alguns em sofrimento) senti-me como se estivesse numa qualquer feira observando as pessoas a andar em carrinhos de choques, linda imagem! O enfermeiro justificou-se de que as macas não obedeciam. (Ai é? Pois eu acrescento, é óbvio! Que eu saiba uma maca deve ser movimentada por duas pessoas e não por uma só).
Enquanto na sala de tratamentos apercebi-me do sofrimento de algumas pessoas através dos sons emitidos pelas mesmas, uma paciente esteve gritando repetidamente durante cerca de 1 hora ou mais o seguinte: - Eu quero a minha filha... Tragam-me a minha filha... Ai a minha filha... Eu não quero estar aqui... Chamem a minha filha...
De repente deixei de ouvir a Sra. e pensei: devem ter-lhe dado algum calmante.
Entretanto novos enfermeiros e novos médicos vieram para substituir os do turno anterior (depois de termos assistido as várias higienes intimas efectuadas por auxiliares e enfermeiras?!) e quando o saquinho de paracetamol (que estava a ser administrado ao meu filho) chegou ao fim chamei a atenção à enfermeira que, me perguntou se ele já tinha alta. Eu fiquei perplexa com a questão pois, ainda não lhe tinham administrado o soro com o produto para os vómitos e além disso o saquinho de paracetamol já havia sido administrado há uma hora atrás sem que ninguém o tivesse retirado (apesar de eu os ter alertado para o facto na altura em que este acabou), então eu disse então à enfermeira que não sabia nem o nome da médica que o recebeu nem o nome do médico substituto, ela informou-me então que ao seu cuidado tinha 20 e tal pacientes e que eu deveria de ir à procura do médico e falar com ele, assim o fiz e encontrei-o, passados alguns minutos colocaram o soro com o(s) aditivo(s).
Durante o tempo de administração do soro sempre estiveram entre 4 a 5 macas com velhotes (homens e mulheres) mesmo à frente do cadeirão onde se encontrava o meu filho, um velhote destapava-se e estava todo nu, com os órgãos genitais à mostra, o pobre desgraçado ainda se tentou tapar mas, o lençol estava preso, o velhote da maca ao lado (penso eu a receber oxigénio) ainda o tentou ajudar mas, não conseguiu… Saí para ir à rua apanhar ar e quando voltei estavam mais macas (umas 4 filas), ao passar no corredor um velhinho (de 80 ou 90 anos), totalmente desdentado, com uns olhos e um rosto encovados, tocou-me no braço e eu perguntei-lhe se o podia ajudar, só que ele mexia os lábios mas, emitia uns sons muito baixos (fez-me lembrar um sonho que eu tive há alguns anos, no qual, gritava mas, não saía som absolutamente nenhum), ainda tentei escutá-lo aproximando o meu ouvido de seus lábios e inclusive até o paciente idoso na maca ao lado (com soro) também tentou entendê-lo mas, não consegui-mos, as sua pernas tremiam, aí eu disse-lhe que ia chamar um enfermeiro, fui e encontrei uma enfermeira demasiadamente ocupada, expliquei-lhe a situação e ela disse que já ía ver o que se passava, só que não foi, então procurei um enfermeiro e disse-lhe o que se passava, indiquei a maca, o enfermeiro disse-me que aquela fila de macas era de outro enfermeiro e que ía à procura do(a) colega que estava responsável por aquele paciente daquela fila de macas… sinceramente não sei se alguém lá foi!… voltei então à sala onde estava o meu filho (por ordem da enfermeira não podia lá ficar durante muito tempo porque a sala estava cheia e se lá ficasse seria só para atrapalhar)… após ter tomado todo o soro, ele queixou-se novamente de dor de cabeça, aí voltei a falar com o médico (visto a indisponibilidade da enfermeira por excesso de trabalho) e este mandou dar novamente uma dose de paracetamol pela veia… só sei que numa das últimas vezes que passei por aquele corredor de passagem andava uma auxiliar ou voluntária a dar refeições (canjinha e maçãs cozidas) aos doentes “amacados” e reparei que um deles, ao receber a refeição, não estava na posição certa para comer, chamou a Sra. que, por sinal não o ouviu pois, tinha acabado de ir na direcção contrária (na direcção do corredor à direita), eu ofereci ao homenzinho a minha ajuda, e ele aceitou, segurei-lhe no braço (tinha sangue na manga e estava a soro) com receio de o magoar ajudei-o a sentar e retirei a tapinha da canjinha, visto que, ele também tinha dificuldade em fazê-lo…
Quando o pequeno saco de paracetamol acabou a enfermeira informou que ía almoçar e que o médico também tinha ido e que eu e o meu filho podíamos ir até ao bar tomar qualquer coisa para fazer tempo, assim o fizemos… o meu filho comeu uma tacinha de gelatina que custou 1,50€ (muito dinheiro ganha o bar do hospital às custas dos cidadãos) … depois fomos para a sala de espera da triagem, visto que, era impossível voltar para a sala de tratamentos já que cada vez havia mais gente e mais macas, digamos que era quase que impossível passar no corredor de passagem devido às macas… esperamos aproximadamente uma hora (constantemente eu ía ao gabinete do médico para ver se ele já tinha chegado do almoço) … quando finalmente vi o médico, chamei logo o meu filho, foi-lhe dada alta e mandou-nos ir à sala de tratamentos para que a enfermeira tira-se a agulha por onde lhe foram dados os medicamentos intravenosos mas, antes disso eu perguntei ao médico (olhos nos olhos) se tinha acontecido alguma coisa em algum lar de idosos, ao que o médico me respondeu que aquele até era um dia calmo e que tudo aquilo era normal, e aconselhou-me a ir no mês de Agosto às urgências do hospital para tomar um café no bar, disse que no mês de Agosto nem precisarei de entrar no interior das urgências pois, na sala de espera de entrada para as urgências poderei ver muito pior do que aquilo que vi naquele dia. Eu fiz questão de dizer ao médico que o que se passava ali manifestava uma total falta de respeito quer por doentes como por funcionários e que a médio prazo decerto tudo aquilo provoca danos psicológicos a todos o que por lá trabalham, ao que o médico me respondeu: - É por isso que há falta de médicos e enfermeiros neste hospital, ninguém quer vir para aqui trabalhar com estas condições.
Pronto fiquei esclarecida e lá fomos com bastante dificuldade, passando e desviando-nos entre as macas colocadas no corredor de passagem, para que a enfermeira retira-se a agulha… entretanto fomos à farmácia do hospital comprar os medicamentos que o médico havia receitado, a última coisa que ouvi na farmácia foi uma Sra. (que eu tinha visto também nas urgências durante todas aquelas horas) a pedir o livro de reclamações à farmacêutica por não terem pensos para as feridas.
Portanto só posso concluir que:
A saúde pública está doente.
Os nossos velhotes não são tratados com respeito, estão deitados ao abandono muitas vezes pelas famílias e do Estado nem se fala, vi muitos velhotes magrinhos (acredito que passam muita fome pela falta de recursos financeiros) alguns são só a pele e os ossinhos...
Se o Hospital distrital de Faro (empresa pública) tem o hospital de psiquiatria e pneumologia; o serviço de urgência pediátrica e hospital de dia pediátrico... se a população idosa está a aumentar, a olhos vistos, e sendo as crianças e os velhotes (salvo outras excepções) os que necessitam de mais protecção, cuidados e carinho, não compreendo porque razão não existe no hospital distrital um serviço de urgência geriátrica e hospital de dia geriátrico também.
Se as urgências hospitalares entopem com idosos (dando a sensação que aconteceu algum problema num qualquer lar para idosos e que entraram todos ao mesmo tempo e no mesmo dia), os quais ficam, para ali, em macas nos corredores e salas de tratamentos, juntamente com jovens a partir dos 15 anos e adultos, pergunto:
- Em caso de catástrofe natural ou guerra como será? Meterão todos os velhotes na rua, ou armam tendas à semelhança do que acontece em países do terceiro mundo, ou em caso de acidentes em série numa qualquer estrada ou auto-estrada?
O serviço de urgências do H.D.Faro não tem condições em termos de espaço, nem para os doentes (Portugueses e estrangeiros), que de cuidados urgentes e emergentes necessitam, nem para quem lá trabalha. Como é possível alguém trabalhar naquele sitio com aquelas condições, durante quanto tempo conseguem aqueles profissionais da saúde manter a sua sanidade mental?
A maior parte dos médicos no hospital são espanhóis, brasileiros e alguns dos países de leste (as pessoas idosas, e não só!, já têm dificuldades em entender os termos técnicos que os médicos portugueses utilizam, e actualmente ainda existe a agravante linguística), o que me provoca a sensação de que ou os médicos portugueses foram quase todos para a reforma, ou para o hospital particular do Algarve (útil para quem tem ADSE pois, os pacientes são atendidos rapidamente e com comodidade, pagam valores irrisórios pelos cuidados de saúde recebidos mas, a maior talhada da factura é para um Estado que, pelos vistos tem de reduzir na despesa pública devido à crónica crise e já recessão, ensombrada por uma banca rota quase a eclodir), ou emigraram.